segunda-feira, 20 de abril de 2009

Já não espero

a minha me-nina chegou
e com ela todos os verbos em uma visita epifanica
toda prosa, todo verso, toda letra moldam leque para tão pequeníssima mão
e o substantivo tempo inflou como balão
o tempo mudou de tempo
pesa como seio em amamentação
o tempo, minha filha, só faz ouvir o crescer dos seus cílios

segunda-feira, 23 de março de 2009

sou como gomo de uma mexerica



só conjugo um verbo
espero
espero
espero

Ode a primavera – para os que vivem ao norte

Enfim chegas embevecida pela vida
Ó primavera deusa decidida
Tu não guardas como eu mágoas do inverno
Teu vestido é de renda e complacência
Teu perfume gera ciúme naqueles que já não se iludem
Ó primavera dos dedos sem medo
Conte-me o segredo!
Também eu quero fazer do desamor desejo

sexta-feira, 13 de março de 2009

Parati


Tenho um irmão que me levou para o mar
Com ternura me ensinou a velejar
Velejar deixa a alma horizontal
E o vento põe tudo enfim em seu devido lugar

quinta-feira, 12 de março de 2009

Já sei como será meu casamento:


vestido de chita, noivo que me beije com força de primavera e que prometa uma vida sem inverno!

sexta-feira, 6 de março de 2009

Mar de Cristal

Acreditei em quase tudo o que me contaram sobre a minha chegada. Nasci em noite de lua crescente. Minha mãe achou que a lua tinha a forma exata da letra C e é por isso que me chamo Clara. Meu nome tinha de começar com a letra C. É assim, com pequenas bobagens, que muitas coisas começam. O primeiro esboço do que viria a ser eu foi um C noturno.

Me contaram que nessa noite de lua crescente a minha avó materna estava presente na sala de parto. Meu avô, no jardim do hospital fumando. Ele com certeza pensava mais na política internacional do que em mim. A política é para a nossa família como um broche que nunca deixa o sobretudo. A política esteve sempre presente. Aos olhos de fora brilhava conforme a luz. Por dentro a política tinha alfinetado certos membros familiares.

Minha mãe diz que me amou desde o primeiro minuto em que me viu. Eu duvido um pouco desse amor.

Eu cresci em uma casa com jardim. Desde cedo o microcosmos do jardim me atraiu. Eu sonhava em ser cientista e saber tudo sobre alguma minhoca ou algum besouro. Passar os dias em um laboratório estudando incansavelmente aquela minhoca ou aquele besouro. Passar a vida dedicando-me a conhecer aquela criatura. À noite ter sonhos com ela e ser assim para todo o sempre, feliz com aquele único objeto. (Eu não me tornei essa pessoa, mas ainda hoje não escondo o meu fascínio por oblíquos cientistas que debruçam a sua existência sobre algum objeto de estudo aparentemente ínfimo e insosso – o que estão eles mesmo buscando?)

Como você, leitor, não é bobo, já percebeu que estamos no quarto parágrafo e palavra alguma foi dita sobre o meu pai. Entre mim e minha mãe o meu pai sempre esteve como um conjunto vazio. Não me lembro quando comecei a notar a sua ausência. Mas com certeza foi na escola, desprotegida das paredes do lar e da mitologia familiar, onde algo ou alguém me atentou para o fato de que eu só (!) tinha uma mãe. Eu era diferente dos meus pares. Havia uma mancha escura sobre a Clara.

Eu cresci em uma casa com jardim e com uma vizinha de madrepérola. A minha vizinha era minha amiga. E por isso eu achava que ela era bonita. Junto a ela, a mancha escura de Clara se desmanchava e muitas pontes fantásticas se formavam. Bons amigos de madrepérola são ótimo abrigo contra manchas, poeira e rachaduras da vida.

Algumas partes do meu corpo são reconhecíveis em minha mãe. Outras não. Eu me perguntava com violência de onde vinham as últimas. E foi então que decidi que a pergunta seria respondida. Minha mãe tem, entre outras habilidades, a de se esquivar com destreza e elegância do que a desagrada. Não sei se desenvolveu essa capacidade para lidar com a minha insistente curiosidade ou se já a vinha aprimorando desde o passado. Um dia decidi que já não haveria esquivas. A pergunta que me mantinha tão ocupada seria uma flecha certeira.

A resposta de minha mãe: “seu pai é espanhol. Advogado antifranquista. Me deixou só no metrô”. Era verão em Madri quando eles se conheceram. O quanto se conheceram eu não sei. Sei que se separaram no outono na linha 8 do metrô. Eles discutiram. Minha mãe estava grávida mas calou. Meu pai desceu na estação Mar de Cristal. Minha mãe ficou. Seguiu até o fim da linha. Chorou. Decidiu que voltaria ao Brasil. Meu pai de mim nunca soube.

Nós não voltamos a tocar neste assunto. Eu compreendi os limites de minha mãe. De meu pai não sei o nome nem o paradeiro. Só tenho os atributos das três frases da minha mãe (espanhol, advogado, antifranquista). O que fazer com eles? São os atributos as pessoas?

Eu ainda não sei o que a vida quer de mim. Talvez vá para a Espanha procurar os rastros de um pai. Talvez queira conhecer a linha 8 e algum sentimento me venha quando descer na estação Mar de Cristal. Talvez estude, talvez não. Talvez seja uma mulher só, talvez não. Em todo caso, começo a desconfiar de que um pai e a vida mesma não passem de uma estação.

quarta-feira, 4 de março de 2009

„Each couple is its own vaudeville act.“ (Zadie Smith)


Ai amor, toma!
Fica com as escamas, os grampos e as mentirinhas
Já não preciso da platéia
Quando me olhas
Meu olho vê aquilo que de mim quero

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Palabras para conservar el buen amor


A estrangeira tem um amor chamado Mario Quintana nascido em Entre Rios (tão poeta quanto o nascido em Alegrete). A vida brindou-lhes uma diferença de idade cronológica de 58 anos, fato lamentável que impossibilitou a realização plena dessa paixão. A estrangeira e Mario Quintana têm um encontro marcado para “mais tarde”. Hoje a estrangeira reencontrou o texto que segue abaixo, de autoria deste Quintana (el otro) , e a sua casa ficou cheia de bolhas de sabão. A estrangeira tem saudade.

Y ahora palabras para conservar el Buen amor:
1ro. Saber bién, pero bién que te gusta "en todo"
esto lo sabrás después de varios "después... "
En lo posible no demostrarlo demasiado.
Cierta inseguridad es muy excitante siempre.
La ambiguedad es recomendable a este fin.
Manejo del tiempo: guardar cierto misterio de su uso,
reservandosé para sí, una zona de libertad.
Saber bién para qué querés que te dure. En esto es muy
importante el inventario de gustos, sueños, ilusiones y
fantasías. Saber usar estos dones, no solo a través de
los sentimientos sino, también de la inteligencia.
NO CONVIVIR JUNTOS/AS.
Fórmulas para el buen amor, hay para todos los
gustos, pero nada hay en la vida mejor que el amor y,
buscarlo por sobre todas las cosas, es la mejor
aventura que depara la vida.
Conseguirlo, es hacerlo eterno, aunque
sólo dure en el tiempo, una puesta de sol!!!!
NOTA: No "avivar" tontos ni tontas!!!!!!

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

o meu nome é...


muuttolaatikko = caixa para mudança em finlandês


Dar (e receber) um nome não é tarefa fácil. Mas porque uma caixa de mudança é um objeto-chave na vida da estrangeira e o idioma finlandês uma diversão eterna, ficou tudo mais fácil.

A estrangeira gosta do finlandês e suas palavras gigantes com letras que se repetem sem a menor vergonha como se quando a língua foi criada deus estive com soluço ou asoprasse um sopro longo que fizesse com que algumas letras ficassem para sempre de mãos dadas. O finlândes é um grande lego verbal.

Um embrião

dizem que sou eu que te carrego
mas não
é você grão que me leva
desde meu ventre me exagera
é você origem que me encerra
dizem que sou eu que te carrego
mas não
é você satélite que me dá a direção
todos admiram a sua intenção

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

É por isso que eu repito

Insiste
Vai
Insiste
Repete
Repete
Tens a vida toda para não mudar nada